domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aikido Colocado à Prova



Algumas vezes, desde que iniciei minha prática, escutei muitas opiniões e debates sobre a eficiência ou não do Aikido em um conflito real. Considero que essas dúvidas se devam ao fato da ausência de competições, algo que já foi muito bem esclarecido por Gozo Shioda Sensei
O fato é: todas as artes marciais, ou técnicas de combate que conhecemos nos dias atuais, (com exceção de algumas invenções de alguns charlatões) foram testadas à exaustão, evoluíram de movimentos milenares, aperfeiçoadas ao longo do tempo e adaptadas à realidade atual. Portanto, todas elas são eficientes de fato ou, no mínimo, cumprem uma função cultural ou espiritual para os indivíduos que a praticam (ainda existem por algum grande motivo). Resumindo: se não fossem eficientes teriam sido extintas.
Dito isso, entro no aspecto mais sensível que consiste em compreender o que cada pessoa procura em uma arte marcial. Qual o objetivo final do praticante, o que ele almeja de fato com a prática de um Budo ou técnicas de combate?
Poderíamos listar alguns objetivos do praticante das técnicas de combate competitivas: status, medalhas e troféus, dinheiro, superação, auto-conhecimento, auto-defesa.
Agora, qual seria o objetivo de um praticante de um Budo sem competição?
Com certeza estaria centrado no aspecto saúde, auto-conhecimento, auto-defesa, e não em elementos exteriores como premiações ou coisas do gênero (essa deveria ser a regra).
O Aikido se enquadra nessa categoria, portanto, acho estranho um aikidoísta se preocupar se a arte que pratica seria útil em uma situação competitiva. A resposta é simples: não.
Vamos refletir: no Aikido treinamos basicamente katas (movimentos pré-estabelecidos) que ao longo do tempo vão ganhando fluidez até chegar à "não-forma". Isso exige um longo tempo de treinamento e décadas de dedicação. Alguns dos princípios básicos como "não-resistência", "entrar e girar", "não utilizar a força física", "não bloquear", "não-ego", "a verdadeira vitória é a vitória sobre si mesmo", cairiam por terra se o Aikido fosse colocado em um ringue.
Competições estabelecem critérios de pontuação e limitações para preservar os competidores. Para vencer uma luta é necessário agressividade e busca do combate, expondo-se dentro das regras. Isso por si só já é um contra-senso para o Aikido. Treinamos anos para buscar a "harmonização através da energia" e em 15 minutos o aikidoísta entraria em um ringue ou tatame cheio de regras, muitas vezes trajando luvas que impossibilitam a pegada de articulações pequenas e precisando se expor para vencer um combate sem sentido algum, a não ser vencer um competidor para quem sabe ganhar um torneio.
É claro que existe o fator de colocar à prova o aprendizado e sentir a técnica sendo aplicada "para valer", mas isso só acontece na realidade quando nossa vida está em extremo risco e temos que reagir para não sermos lesados gravemente. Graças a Deus, isso é algo que muito poucos vão passar...
O ringue não é o local de analisar se as técnicas são eficientes ou não, pois as técnicas de competição são uma coisa e técnicas de combate são outra coisa, senão vejamos: 
- o quão eficiente seria um kokyu nage que permite o rolamento do Uke para "vencer" um oponente dentro de um ringue acolchoado? E se fosse no asfalto?
- o quão eficiente seria uma "raspada" do Brazilian Jiu-Jitsu no asfalto quente com mais 3 oponentes? E no ringue 1 contra 1?
- o quão eficiente seria um "chute-coxa" do Muay Thai desferido por uma menina contra um brutamontes sob o efeito de entorpecentes? E num ringue contra outra mulher?
Um lutador de MMA por exemplo, é um atleta de alto rendimento (como um velocista, triatleta), possui um biotipo e talento para esse tipo de competição e ganha sua vida como mercenário, (sem sentido pejorativo) pois luta pelo dinheiro e pelos patrocínios. Para isso, o tipo de treinamento que faz é específico para cada oponente que enfrentará (no máximo dois por ano devido ao desgaste que acarreta a seção de pancadas que recebe) e sua "vida útil" como atleta é, no geral, muito curta, sem contar que são muito poucos que chegam ao estrelato, o restante tem que pagar do próprio bolso as próteses dentárias após alguns campeonatos amadores. Mas sem dúvida, são lutadores admiráveis.
O que quero dizer é que cada prática marcial possui o seu cenário específico de ação e isso não significa que seja melhor ou pior que outra, pois muito do que conta é como o seu praticante treinou as técnicas e o foco que ele deu no seu desenvolvimento, assim como em que situação ela será colocada em ação. Caso contrário, as competições de determinadas artes deveriam acabar sempre empatadas, pois seria a "arte suprema" contra ela mesma e não o competidor mais preparado (ou com mais sorte) contra o outro.
Por isso, sempre que escuto o comentário que devemos treinar a arte X para complementar a arte Y eu discordo. Cada arte é independente da outra, o que não impede que tenhamos noções básicas de todas elas e conheçamos seus preceitos fundamentais, o que, diga-se de passagem, é muito saudável e recomendável. Porém, o Aikido é um Budo tão complexo que quanto mais treinamos, mais vemos que não sabemos nada. Imagina se ao invés de nos dedicarmos mais ainda à sua prática, começamos a misturar peças que não são intercambiáveis e perdemos horas de prática de uma arte para dispersarmos em outras?
O resultado disso será um emaranhado de técnicas que dão a pretensa ideia de superioridade marcial de um "lutador" sobre outro (o que sempre cairá por terra, pois mais cedo ou mais tarde todos são derrotados) mas que pouco absorveu da essência das arte que optou como seu principal caminho.
Parafraseando Meirelles Sensei: "felicidade é: se estiver com fome, coma; se estiver com sede, beba; se estiver com sono, durma". Eu acrescentaria: escolheu o Aikido como prática, treina.

Um comentário:

Rodrigo B. disse...

Muito interessante o post.
Obrigado.